NOTA 4,5 Apesar da ideia levemente diferente de mostrar as confusões de um casal após o suposto felizes para sempre, comédia busca risos em situações fáceis |
Para muitos casais os dizeres "que sejam felizes até que a morte os separe" deveria ser substituído imediatamente ao subirem ao altar pela frase "que sejam felizes até que o casamento os separe". Parece incoerente, mas é a mais pura verdade. Enquanto namoram tudo parece maravilhoso e os planos para trocar alianças parecem completar a felicidade. Porém, bastam oficializar o compromisso que a impressão é que o mundo perfeito desmorona. É a partir do ponto que geralmente encerra as histórias de amor do cinema que se desenrola a trama do filme Recém-Casados, inesperado sucesso que em 2003 conseguiu o feito de desbancar O Senhor dos Anéis - As Duas Torres do topo das bilheterias americanas, prova da força do gênero comédia romântica em solo ianque. Em outros países, como no Brasil, a fita não foi arrebatadora, apenas cumpriu sua função de entreter alguns poucos adolescentes que se divertem com piadas escatológicas e de duplo sentido, mas até que a trama tem seus momentos de fato divertidos e conta com protagonistas carismáticos. O mulherengo Tom Leezal (Ashton Kutcher) é um radialista apaixonado por esportes, mas vai ter que aprender a dividir seu coração com Sarah McNemey (Brittany Murphy), uma patricinha por quem cai de amores literalmente por acidente. Para desgosto da família da moça que sonhava com um partido de mais posses e ambições, eles passam a morar juntos em um mês e antes mesmo de completarem um ano juntos resolvem se casar e partir rumo à romântica cidade de Veneza, na Itália. Contudo, ainda no avião rumo a viagem de lua-de-mel, as coisas começam a desandar. Acidentes, mal entendidos, brigas, gente metendo o bedelho no relacionamento... Tudo colabora para o passeio ser infernal e minguar a relação dos pombinhos. Tem ainda um quê de preconceito quanto a diferença social entre eles, mas nada para se levar a sério.
Este foi o primeiro filme de relevância do diretor Shawn Levy, que viria a se especializar em comédias e tem como ponto alto em seu currículo a trilogia Uma Noite no Museu. É uma pena que não tenha se esforçado para oferecer nada de diferente de outras produções do gênero. Apesar da proposta de mostrar o que acontece após o casamento, invertendo as confusões pré-nupciais pelas pós, a dupla protagonista nada mais faz que reciclar piadas de outras dezenas ou até mesmo centenas de casais de comédias to tipo. Tom e Sarah passam a maior parte do tempo dando cabeçadas ou tropeçando em objetos, piadas que soam previsíveis e em sua maioria sem graça. Já as vimos e revimos à exaustão, inclusive os próprios intérpretes as reciclaram em outros de seus trabalhos. Curioso que os personagens tropicam e pagam micos aos montes e eles mesmos caem na risada, como se fosse uma orientação do diretor na intenção de influenciar quem assiste a também gargalhar. Contudo, o segredo não seria justamente nos divertir com os embaraços do casal de pombinhos? Se eles não parecem se importar com os vexames há algo de errado na concepção desta ideia. Pior ainda, a produção ainda sofre com o mesmo problema das fitas de sua seara: os momentos mais divertidos preenchem os trailers. Assim, nos resta ver como as piadas são alinhavadas e aí esbarramos no roteiro pouco inspirado de Sam Harper, que viria a repetir a dobradinha com o diretor em Doze é Demais. Ele se inspirou em sua própria vida amorosa para escrever a trama, o que nos leva a crer o quão nonsense foram suas experiências. A regra básica de confusões entre casais é que os problemas comecem pequenos e suas intensidades aumentem gradualmente, mas o texto obriga Tom logo aos primeiro sinais de estresse a proclamar que está vivendo uma lua-de-mel infernal. Não dizem que o amor supera qualquer obstáculo?
No caso, fica latente a superficialidade do relacionamento dos jovens, mas ainda assim relevamos principalmente pelos esforços de Kutcher. Com seu conhecido jeitão desengonçado e cara de sem noção (acentuado pelo corte de cabelo largadão) ele convence como um jovem apaixonado, mas ao mesmo tempo em dúvidas quanto a decisão que tomou sem muita reflexão. Murphy equilibra a relação com uma atuação mais contida, mas nem por isso livre de caras e bocas. A descontração da dupla, que certamente transformou as filmagens em um grande playground, acaba contagiando o espectador que logo nos primeiros minutos de filme manda às favas qualquer questão de coerência e embarca nas loucuras vividas pelos personagens. A sensação por vezes é que Levy deu uma rápida explanação da história que queria contar e deixou seus protagonistas livres para interpretarem e, principalmente, improvisarem à vontade. Não dá para imaginar, por exemplo, que os protagonistas ensaiaram a cena em que Kutcher tenta justificar a morte acidental do cãozinho da noiva imitando seu agonizar. Deve ser por isso que situações paralelas não se encaixam à narrativa e não avançam como o esperado, assim são desperdiçados personagens com potencial como Kyle (David Moscow), o padrinho do noivo que já anunciava o fracasso do casamento antes mesmo de sua consumação, e Peter (Christian Kane), um cara sedutor, rico e ex-ficante de Sarah que surge em Veneza como por mágica para atrapalhar as núpcias do casal. Recém-Casados tinha uma boa proposta, mas é uma pena que seus realizadores tenham optado por caminhos simplificados. Os problemas do casamento não se resumem ao medo da infidelidade. Tom e Sarah são diferentes por natureza e isso poderia ter sido melhor explorado. Todavia, por que propor algo mais reflexivo se o público-alvo costuma rir de velhas piadas como um suspeito sutiã que deixa o marido em uma bela saia justa com a esposa ou a clássica cena do rapaz entrando desajeitadamente em um quarto de hotel com a noiva no colo que acaba dando uma cabeçada no batente? Sem muito a apresentar, o filme que já é curto dá a sensação de ser ainda mais rápido diante de nossos olhos.
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